Editorial

Tudo misturado

Principal manchete do noticiário nacional ontem, a prisão do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, trouxe consigo novos elementos sobre as suspeitas de que o número um da corporação durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) teria atuado para interferir no processo eleitoral de outubro do ano passado. Conforme apurado por diferentes jornalistas, o direcionamento de operações da PRF de forma a prejudicar a ida às urnas de possíveis eleitores de Lula (PT) está bem documentado e embasa o pedido para que Vasques tenha sido detido.

Entre os materiais encontrados pela Polícia Federal (PF) estariam imagens de celulares de agentes da PRF com mapeamento de localidades no Nordeste do País onde o então candidato petista teria obtido mais de 75% dos votos no primeiro turno. Estas cidades seriam os "alvos" das barreiras montadas com objetivo de impedir ou atrasar a passagem de veículos com quem pretendia ir aos locais de votação. Além disso, depoimentos colhidos pela PF indicam que Vasques teria afirmado, em reunião com outros agentes entre o primeiro e o segundo turnos, que a corporação precisava "tomar um lado" com relação à eleição.

Diante do que foi visto à época e fartamente documentado - pela imprensa, pelos eleitores prejudicados e pelas autoridades -, torna-se difícil crer que não tenha havido ação deliberada em localidades e públicos pré-determinados a partir de critérios controversos. Caso confirmadas as suspeitas, evidencia escandaloso aparelhamento do Estado e ataque à democracia.

Em que pese este ser um aparente caso grave e com efeitos deletérios imediatos ao processo eleitoral, fato é que o Brasil lida com a mistura entre interesse público e aspirações pessoais, partidárias ou ideológicas há muito tempo e cotidianamente. Pior: de forma naturalizada. Exemplos disso não faltam. Basta ver como trabalham os parlamentos País afora e em todos os níveis, com muitos senadores, deputados e vereadores articulando seus movimentos em torno das pautas a partir de vantagens que venham a receber do Poder Executivo, como cargos, recursos e outras benesses que garantam projeção individual ou à sigla que representam. O mesmo vale para alguns presidentes, governadores e prefeitos que também se valem de pressões e moedas de troca para obter o que desejam nas câmaras legislativas ou apoio nas bases eleitorais destes parlamentares.

Há uma histórica mistura entre responsabilidades públicas com ambições pouco republicanas de quem ocupa posições de liderança, o que acaba transbordando a todas as esferas da sociedade. E é justamente por isso que é passada a hora de a lei ser aplicada com máxima rigidez para punir quem insiste em se apropriar do Estado e seus mecanismos visando objetivos, no mínimo, questionáveis. O exemplo, como diz o clichê, precisa vir de cima.

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